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Daniel Adensohn de Souza

 

Sumário:

O presente artigo tem por objetivo traçar algumas considerações sobre a proteção do nome de empresa no Brasil, em especial quando existe conflito com marca, considerando recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça e parecer normativo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial.

 

  1. Introito

 

A proteção ao nome de empresa no Brasil é, desde sempre, confusa, haja vista a pluralidade de leis que abordam, em algum aspecto, o nome de empresa, bem como pelas diversas e antagônicas interpretações doutrinárias e jurisprudenciais sobre a natureza função, extensão e âmbito territorial de proteção, especialmente no tocante ao conflito com nomes idênticos ou similares, ou ainda, com outros sinais distintivos (como marcas e títulos de estabelecimento).

Logo, não há consenso sobre a adequada proteção ao nome de empesa a ponto de Gama Cerqueira afirmar que “se a questão dos efeitos do registro de marcas é a moléstia crônica de nossa propriedade industrial, a questão do nome comercial parece constituir seu mal incurável” [1][2].

Neste cenário babélico, é de extrema relevância a atuação do Superior Tribunal de Justiça, fixando jurisprudência para dirimir e assentar, em alguma medida, os princípios gerais aplicáveis ao nome de empresa, especialmente quando há conflito com outro sinal distintivo, particularmente marcas.

Todavia, até mesmo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem se mostrado vacilante, como se depreende de alguns julgados recentes.

Por sua vez, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, através de um parecer, a qual foi dado caráter normativo, veio a contribuir para esta desordenação regulatória, impondo indevidas exigências à proteção do nome de empresa.

Desta forma, este sucinto artigo tem por objetivo chamar a atenção para o atual tratamento que está sendo dado ao conflito entre nome de empresa e marca.

 

  1. Considerações iniciais

 

Nossa doutrina e jurisprudência reconheceram, há muito, que os sinais distintivos guardam relação de interdependência, havendo proteção contra seu uso para formar outro sinal distintivo, ainda que de natureza diferentes, pois, v.g. se o nome tiver como elemento característico expressão idêntica ou semelhante àquela que constitua marca ou título de estabelecimento ou qualquer outro sinal distintivo alheio, poderá induzir o público em erro ou confusão.

Marca e nome de empresa são institutos distintos, ambos tutelados pelo ordenamento jurídico brasileiro[3], mas que dada a relação existente entre eles no universo empresarial, perfeitamente viável vedação de uso da expressão designativa da marca em nome de empresa[4] e vice-versa [5][6].

Aos conflitos entre marcas e nomes de empresa, aplicam-se os princípios de proteção às marcas[7]. O primeiro deles diz respeito à anterioridade, ou seja, prevalece, em regra, o mais antigo[8], em respeito aos critérios de originalidade e novidade[9], pelo que o exame de eventual colidência não pode ser dirimido exclusivamente com base no critério da anterioridade, subordinando-se, em atenção à interpretação sistemática, aos preceitos legais condizentes à reprodução ou imitação de marcas[10].

Assim, a proteção ao nome de empresa impede o registro posterior, por terceiro, de marca que reproduza ou imite expressão característica do nome, ainda mais quando no mesmo ambiente de mercado[11]. Da mesma forma, uma vez registrada a marca não pode ela ser utilizada, ainda que parcialmente, na composição de nome de empresa, em havendo similitude de atividades[12].

Em outras palavras, o titular de uma marca não pode impedir que outro empresário utilize-a para compor seu nome de empresa, em ramo de atividade distinto. Isso significa que, no conflito entre nome de empresa e marca deve-se levar em consideração o princípio da especialidade. Logo, é fundamental a determinação dos ramos de atividade das empresas litigantes[13]. Se distintos, de molde a não importar confusão, nada obsta possam conviver concomitantemente no universo empresarial[14].

Decidiu o STJ que “conquanto se objete que tal vedação visa à proteção do nome comercial de per si, o exame de eventual colidência entre marca integrada pelo nome comercial do titular versus marca alheia idêntica ou semelhante posteriormente registrada, não pode ser dirimido apenas com base na anterioridade, subordinando-se, em interpretação sistemática, aos preceitos relativos à reprodução de marcas, consagradores do princípio da especificidade”[15].

Temos, portanto, que o conflito entre sinais distintivos, particularmente entre nome de empresa e marca, deve ser resolvido com a aplicação dos princípios da anterioridade e especialidade, de modo a tutelar aquele que primeiro adotou o sinal em um determinado segmento de atividade, evitando o aproveitamento parasitário, o desvio de clientela e, ao final, protegendo o consumidor.

 

  1. Recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça

 

Como visto acima, o conflito entre nome de empresa e marca deveria ser dirimido com a aplicação dos princípios da anterioridade e especialidade, privilegiando aquele que primeiro ocupou o signo distintivo em relação a determinado ramo de atividade.

Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça, em recentes julgados, está tolhendo e/ou dificultando a proteção do nome de empresa. Nesse sentido, no julgamento dos Recursos Especiais números 1359666/RJ[16], REsp 1184867/SC[17], AgRg no REsp 1347692/RJ[18], REsp 1191612/PA[19] e REsp 1204488/RS[20], estabeleceu-se que, além do princípio da anterioridade e especialidade, a colidência entre nome de empresa e marca deve ser resolvida levando-se em conta, também, o princípio da territorialidade.

Evidentemente, a aplicação do princípio da territorialidade deve ser limitada às ações de abstenção de uso em que se discuta a colidência entre nome de empresa e marca, nas quais a verificação da potencial concorrência é necessária. Isso porque para que haja concorrência (leal ou desleal) as partes devem atuar no mesmo ramo de atividade (ou afim), no mesmo espaço de tempo e no mesmo âmbito geográfico. É o caso típico de uma ação judicial fundamentada no crime de concorrência desleal previsto no art. 195, inc. V, da Lei da Propriedade Industrial.

Por outro lado, empregar o princípio da territorialidade às ações em que se discute a aplicação do art. 124, V da Lei da Propriedade Industrial, torna-o praticamente inexequível.

No mencionado REsp 1204488/RS restou decido que: “A interpretação do art. 124, V, da LPI que melhor compatibiliza os institutos da marca e do nome comercial é no sentido de que, para que a reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciado de nome empresarial de terceiros constitua óbice ao registro de marca – que possui proteção nacional -, necessário, nessa ordem: (i) que a proteção ao nome empresarial não goze somente de tutela restrita a alguns Estados, mas detenha a exclusividade sobre o uso do nome em todo o território nacional e (ii) que a reprodução ou imitação seja ‘suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos’. Não sendo essa, incontestavelmente, a hipótese dos autos, possível a convivência entre o nome empresarial e a marca, cuja colidência foi suscitada”.

A nosso ver, não é razoável que a possibilidade de insurgência contra registro de marca que imite nome de empresa esteja atrelada à prévia extensão da proteção do nome a todo o território nacional, inclusive considerando a ausência de um registro nacional de nomes de empresa.

Primeiro porque, segundo melhor doutrina, a proteção ao nome de empresa, em sua vertente objetiva, deriva das normas de repressão à concorrência desleal, devendo o âmbito territorial de proteção ser fixado no caso concreto, de acordo com a efetiva relação de concorrência. Logo, não se justifica, a priori e considerando a realidade socioeconômica brasileira, que o empresário registre indistintamente o seu nome de empresa por todo o território nacional para que possa defendê-lo contra tentativa de usurpação via registro de marca.

Por outro lado, prevalecendo o entendimento de que a proteção está limitada à circunscrição do local do registro, é totalmente inviável, na prática[21], requerer a proteção nas 27 Juntas Comerciais para somente após impugnar o pedido de registro de marca.

E em relação ao nome de empresa das sociedades simples, associações e fundações[22]? Teria o titular que protegê-lo em todos os cartórios de registro civil das pessoas jurídicas do Brasil para poder impugnar uma marca colidente?  Será que, por exemplo, a AACD Associação de Assistência à Criança Deficiente, associação sem fins lucrativos com sede no município de São Paulo, não poderia impugnar o registro de uma marca composta pela sigla AACD para designação de serviços médicos, educacionais e assistência social , pelo simples fato de não possuir proteção nacional ao seu nome?

Da mesma forma, não poderia uma sociedade de advogados, cujos atos constitutivos são arquivados no Conselho Seccional da OAB em cuja base territorial tiver sede[23], não poderia insurgir-se contra o registro de marca para identificação de serviços jurídicos para sinal que colida com sua denominação social[24]?

Isso sem falar da proteção ao nome de empresa de titular estrangeiro, que nos termos do art. 8, da CUP independeriam de registro ou qualquer formalidade[25].

Não nos parece, assim, aceitável vincular a aplicação do art. 124, inc. V da Lei da Propriedade Industrial ao registro do nome em todo território nacional, sob pena de fazer letra morta a norma que veda o registro de marca que reproduza ou imite sinal característico ou diferenciador de nome de empresa de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos.

Caso este entendimento venha a prevalecer, teríamos que observar no conflito entre nome de empresa e marca, além dos princípios da anterioridade de uso e especialidade, a necessidade de registro nas Juntas Comerciais de todos os Estados-membros.

Felizmente, também encontramos decisões do próprio Superior Tribunal de Justiça em sentido contrário, valendo menção ao REsp 1357912/SP[26], no qual se pontuou que: “havendo ocorrência de associação de ideias ou confusão no mercado, como caracterizado nos presentes autos, em que o Acórdão deixou firmado, como matéria fática, que as duas empresas comercializam o mesmo produto ‘café’; que a utilização da expressão ‘GUARANI’ por ambas ‘poderá induzir o consumidor a confundir as empresas’; e que ‘a confusão atuará, evidentemente, a dano da autora, titular da  marca ‘ (…), a proteção do nome empresarial, se o registro for anterior ao da marca, será em todo território nacional, nos termos do art. 124, V, da Lei de Propriedade Industrial”[27].

 

  1. O parecer normativo Parecer nº 005-2012 do INPI

 

Na Revista Eletrônica da Propriedade Industrial[28] nº 2.222, de 06 de agosto de 2013, foi publicado o Parecer nº 005-2012-AGU/PGF/INPI/COOPI-LBC-1.0, com efeito normativo, que versa sobre a colidência entre marca e nome de empresa. Referido parecer tem a seguinte ementa:

 

“I. No exame de colidência entre marca e nome empresarial, não se examina o âmbito geográfico de atuação econômica da empresa.

  1. A aplicação do art. 124, V da LPI, em sede de oposição, não prescinde da comprovação da efetiva atividade empresarial exercida pelo opoente quando o sinal marcário não compõe o nome empresarial da empresa oposta.

III. A marca será mantida ao primeiro depositante no INPI, na hipótese do sinal marcário compor o nome empresarial de duas sociedades, independentemente da data de constituição da pessoa jurídica, ressalvada a demonstração de pré-uso do sinal nos termos do art. 129 § 1º da LPI”.

 

Embora seja louvável o esforço do INPI, em especial da Procuradoria Federal, para estabelecer diretrizes para uniformizar a aplicação do art. 124, inc. V da Lei da Propriedade Industrial [29], que concerne ao conflito entre nomes de empresa e marcas, já que a Diretoria de Marcas não possuia entendimento uniforme, verificam-se alguns pontos desarmônicos com a doutrina e jurisprudência dominante sobre a matéria, merecendo, dessarte, revisão.

Vale dizer que o MEMO/INPI/CGREC nº 091/2012 que precedeu o objurgado parecer já contemplava, a nosso ver, premissas equivocadas que acabaram por viciar, por conseguinte, dito parecer.

O primeiro ponto a ser destacado é a indevida exigência de que a aplicação do art. 124, inc. V da Lei da Propriedade Industrial, com fundamento na anterioridade de nome de empresa, dependeria de comprovação do “exercício efetivo da atividade requerida no INPI ou similar, de forma a caracterizar a confusão ou associação do sinal requerido, acompanhados de elementos de convicção capazes de demonstrar a real eminência (sic) de ocorrer a eventual concorrência desleal”.

Com efeito, a Lei da Propriedade Industrial, notadamente o inciso V, do art. 124, não exige tal prova. E não exige pois, como é consabido, a proteção ao nome de empresa nasce com o arquivamento dos constitutivos ou alteração contratual do registro próprio (v.g. Junta Comercial ou Registro Civil das Pessoas Jurídicas).

Uma análise sistêmica da Lei da Propriedade Industrial igualmente afasta tal comprovação. Veja-se, por exemplo, que o depósito e a prorrogação do registro de marca prescindem de tal prova de exercício efetivo, bastando que seja realizada uma simples declaração.

Tal prova poderia, eventualmente, ser demandada se a impugnação for baseada na anterioridade de uso de título de estabelecimento, cuja proteção decorre necessariamente do uso efetivo do sinal distintivo na fachada do estabelecimento, haja vista a ausência de registro específico. Mas, jamais, poderia ser determinante para proteção do nome de empresa contra tentativa de usurpação através do depósito de marca conflitante.

Da mesma forma, registrada a marca não pode outra empresa industrial, comercial ou de serviços utilizá-la, ainda que parcialmente, na composição de seu nome de empresa, em havendo similitude de atividades, independentemente de prova do uso efetivo da marca; basta que a marca esteja registrada.

Por outro lado, as normas que regulam a proteção ao nome de empresa, em momento algum, vinculam a proteção assegurada ao nome ao exercício efetivo da atividade, porquanto à proteção exsurge da simples da anterioridade de inscrição do empresário, ou dos atos constitutivos das pessoas jurídicas, ou das respectivas averbações, no registro correspondente (cf. art. 1.166, do Código Civil[30] e art. 33 da Lei de Registros Públicos de Empresas Mercantis[31]).

Em outras palavras, para escorreita aplicação do art. 124, inc. V da Lei da Propriedade Industrial, basta que se comprove a adoção anterior de nome de empresa cujo elemento diferenciador seja idêntico ou similar à marca depositada, bem como que o objeto social abarque as atividades em relação às quais a marca foi depositada, na estrita observância dos princípios da anterioridade e especialidade.

Em decorrência da aplicação do princípio da anterioridade, a proteção é assegurada àquele que primeiro se apropriou do sinal distintivo, seja como marca, seja como elemento diferenciador de nome de empresa.

Portanto, não encontra respaldo legal o entendimento de que se duas sociedades possuírem na composição do seu nome de empresa sinal marcário em discussão, seria garantido o direito de propriedade industrial da marca para o que primeiro vier ao INPI. Trata-se de uma intolerável e ilegal exceção aplicada ao princípio da anterioridade.

Deste modo, deve o INPI necessariamente avaliar se o nome de empresa do impugnante é anterior ao depósito da marca e, em caso positivo, indeferir o pedido de registro (evidentemente, desde que o sinal seja idêntico ou similar, suscetível de causar confusão e se destine ao mesmo ramo de atividades), independentemente de o titular do pedido ou registro impugnado também possuir o sinal em seu nome de empresa.

Ademais, a proteção do nome de empresa estrangeiro, reivindicada através do art. 8º da CUP, será aquela que a lei brasileira concede aos nomes de empresa nacionais. Em sendo assim, para aplicação do art. 124, V, da Lei da Propriedade Industrial, bastaria a comprovação da existência do nome de empresa em seu país de origem e, de forma complementar, a constituição de filial ou sucursal no Brasil, observado o disposto no parágrafo único do art. 1.137 do Código Civil. Logo, não nos parece legal a exigência de a empresa estrangeria ter que comprovar “atuação no mercado nacional, seja por meio de importação, seja por meio da mídia, de forma a caracterizar a confusão ou associação do sinal requerido previsto para a aplicação da norma legal”.

Contudo, não se sustenta a exigência de comprovação do efetivo exercício da atividade para aplicação do art. 124, inc. V, da Lei da Propriedade Industrial, sendo suficiente a comprovação da adoção anterior do sinal distintivo com a apresentação da inscrição de empresário individual, contrato ou estatuto social que contenham o nome de empresa composto pelo sinal distintivo em questão, e cujo objeto social abarque as atividades em relação às quais a marca foi depositada.

É irrelevante, portanto, a abrangência territorial de uso do nome de empresa[32], bem como o fato de ambas as empresas possuírem em seu nome o sinal marcário em questão, devendo prevalecer o direito de quem primeiro se apropriou do sinal distintivo naquele segmento de atividade, em homenagem aos princípios da anterioridade e especialidade.

Por fim, salientamos que o INPI está, atualmente, efetuando uma revisão de alguns itens das Diretrizes de Análise de Marcas que integrarão o novo “Manual de Marcas”, tendo convidado a Associação Brasileira da Propriedade Intelectual, a Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial e Associação Paulista da Propriedade Intelectual para se manifestarem sobre as propostas de alteração.

Cientes de que o INPI pretendia incorporar o disposto no objurgado Parecer nº 005-2012 ao novo “Manual de Marcas”, as associações em conjunto, através de um Grupo de Trabalho, manifestaram-se de forma contrária, endereçando ao INPI argumentos demonstrando a necessidade de revisão da interpretação do art. 124, V. Atualmente, o assunto está em estudo na Procuradoria Federal, que, em breve, deverá pronunciar-se a respeito.

 

  1. Conclusões

 

Em conclusão, vimos que a proteção ao nome de empresa está longe de ter uniformidade, o que gera interpretações das mais diversas sobre a forma mais adequada de tutelá-lo, inclusive no tocante ao conflito com marcas.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça tem fundamental importância, mas, infelizmente, não possui entendimento assente sobre a interpretação do artigo 124, inc. V, da Lei da Propriedade Industrial.

Existem julgados que vincularam a proteção do nome de empresa à prévia obtenção de proteção em todo o território nacional, para, somente após, viabilizar a impugnação de uma marca conflitante. A nosso ver, é inaceitável atrelar a aplicação do art. 124, inc. V da Lei da Propriedade Industrial ao princípio da territorialidade, ao exigir o registro do nome de empresa em todo território nacional.

Por outro lado, notam-se julgados estabelecendo, de forma mais adequada, que o conflito entre nome de empresa e marca resolve-se pela simples observância dos princípios da anterioridade e especialidade, de modo a tutelar aquele que primeiro adotou o sinal em um determinado segmento de atividade, evitando o aproveitamento parasitário, o desvio de clientela e, ao final, protegendo o consumidor.

O INPI, por sua vez, deu caráter normativo à contestável parecer, regulamentando, de forma inadequada, a aplicação do art. 124, inc. V da Lei da Propriedade Industrial, ao exigir a comprovação do exercício efetivo da atividade  e apresentação de elementos de convicção capazes de demonstrar a real possibilidade de concorrência desleal.

Tal exigência não tem fundamento válido, devendo ser revista, na medida em que é suficiente a comprovação da adoção anterior nome de empresa cujo elemento diferenciador seja idêntico ou similar à marca depositada, bem como que o objeto social contemple as atividades em relação às quais a marca foi depositada, na estrita observância dos princípios da anterioridade e especialidade.

Deve prevalecer a consagrada regra que assegura o direito daquele que primeiro apropriou-se do signo distintivo em um determinado segmento de atividade.

[1]    Cf. parecer em RT 249/37

[2]    No mesmo sentido, Hermano Duval ressaltou que “a tutela do nome comercial, título de estabelecimento e insígnia é bastante confusa” (Concorrência desleal. São Paulo: Saraiva, 1976, p. 169); Para Denis Borges Barbosa: “como um elemento inegavelmente integrante da propriedade industrial – o nome comercial, ou melhor, os nomes empresariais – não foi incluído na Lei 9.279/96. Certamente deveria tê-lo sido, pois subsistem todos os problemas de uma proteção múltipla, de base estadual, à qual se soma a aplicação do art. 8º da CUP. Um verdadeiro caos” (Uma introdução à propriedade intelectual, Vol. I. e II. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997, p. 928)

[3]    V. art. 5º, inc. XXIV da Constituição Federal de 1988

[4]    Cf. STJ, 3ª T., REsp 42.424 / SP, Rel. Min. Costa Leite, DJ 19.12.1994 p. 35309

[5]    Cf. STJ, 3ª T., REsp 537.756/RS, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 04/11/2003, DJ 10/02/2004 p. 253; 4ª T., REsp 1082734/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, j. em 03/09/2009, DJe 28/09/2009. V. também TJSP, 3ª Câm. de Direito Privado, AC nº 586.345-4/3, rel. Des. Beretta da Silveira, j. 09/09/2008

[6]    Observe-se que, segundo o art. 124, inc. V, da LPI, é vedado o registro de marcas que reproduza ou imite elemento caracterizador ou diferenciador de nome de empresa de terceiro, suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos.

[7]    Como salientou Gama Cerqueira: “[e]ssas questões, como já tivemos ocasião de observar, deviam ser decididas de acordo com os princípios relativos à proteção das marcas, não sendo possível preveni-las ou resolvê-las por meio de regras empíricas e absolutas, que podiam parecer acertadas, mas que, na prática, não surtiam os efeitos esperados, só servindo para criar questões mais complexas. Por outro lado, nem sempre a expressão característica da denominação de uma sociedade prejudicava o titular de marca idêntica ou semelhante, anteriormente registrada, tudo dependendo das circunstâncias de fato, que a lei, por mais casuística que fosse, não podia prever em sua imensa variedade” (Tratado da propriedade industrial. Rio de Janeiro: Forense, 1956, v. III, p. 314).

[8]    Cf. STJ, 3ª T., REsp 67.173/PE, Rel. Min. Costa Leite, j. em 09.04.1996, DJ 01/07/1996,  p. 24048;  3ª T., REsp 77549/MG, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 17/06/1997, DJ 20/10/1997, p. 53052; e  4ª T., REsp 30636/SC, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. em 14/09/1993, DJ 11/10/1993, p. 21323; TJSP, 8ª Câm. de Direito Privado, AC nº 13.433-4/0, Rel. Des. Debatin Cardoso, j. 12/08/1998; TJSP, 9ª Câm. de Direito Privado, AC nº 160.806-4/1-00, Rel. Des. J. Piva Rodrigues, j. 03/07/2007; TJSP. 1ª Câm. de Direito Privado, AC nº 199 428-4/6-00, Rel. Des. De Santi Ribeiro, j 15/01/2008; TJSP. 8ª Câm. de Direito Privado, AC nº 611.423-4/5-00, Rel. Des. Salles Rossi, j 11/02/2009; TJSP. 6ª Câm. de Direito Privado, AC nº 994.09.323085-6, Rel. Des. Roberto Solimine, j 22/07/2010.

[9]    Cf. STJ, 4ª T., REsp 30.636 / SC, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 11.10.1993 p. 21323

[10] Cf. STJ, 4ª T., EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 653.609/RJ, Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. em 19.05.2005, DJ 27.06.2005 p. 408.

[11] Cf. STJ, 3ª T., REsp 284.742/SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. em 20.08.2001, DJ 08.10.2001 p. 212

[12] Cf. STJ, 4ª T., REsp 198.609/ES, Rel. Min. Barros Monteiro, j. em 11.05.2004, DJ 30.08.2004 p. 288

[13] Nesse sentido: Marcas e patentes – Abstenção de uso de marca – Indenização – Nome e marca que têm identidade de segmentos. Empresas que exploram o mesmo ramo de comércio. Expressão estampada nos produtos da ré confunde-se com o nome comercial da autora. Ação improcedente. Recurso provido (TJSP, 6ª Câm. de Direito Privado, AC nº 281.805-4/0-00, Rel. Des. Magno Araújo; j. 12/3/2009, v.u.). Vide também: TJSP, 3ª Câm. de Direito Privado, AC nº 232.577-4/4-00, Rel. Des. Beretta da Silveira; j. 11/10/2005, v.u; TJSP, 4ª Câm. de Direito Privado, AC nº 552.473.4/3, Rel. Des. Maia da Cunha; j. 06/03/2008, v.u; TJSP, 9ª Câm. de Direito Privado, Ação Rescisória nº 71.764.4/5, Rel. Des. Ruiter Oliva; j. 15/12/1998, v.u.

[14] Como decidiu recentemente o STJ: “conquanto haja um vocábulo idêntico na formação dos dois nomes empresariais, não se verifica seu emprego indevido, tendo em vista as premissas estabelecidas pelo tribunal de origem ao analisar colidências, tais como, ausência de possibilidade de confusão entre consumidores e atuação empresarial em atividades diversas e inconfundíveis” (cf. REsp 262.643-SP, Rel. Min. Vasco Della Giustina – Desembargador convocado do TJ-RS – j. em 9/3/2010). Vide também: “A proteção de nome comercial é restrita ao mesmo ramo de atividade ou similaridade de produtos e venda em mercado comum, visando evitar a possibilidade de confusão do consumidor quando da aquisição de referido serviço ou produto” (REsp AgRg no REsp 757.880/RS, 4ª T., Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. em 04/02/2010, DJe 11/02/2010)

[15] Cf. 4ª T., REsp 658.702/RJ, Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. em 29/06/2006, DJ 21/08/2006 p. 254; Vide também os já citados EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 653.609/RJ

[16] REsp 1359666/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/05/2013, DJe 10/06/2013

[17] REsp 1184867/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 15/05/2014, DJe 06/06/2014

[18] AgRg no REsp 1347692/RJ, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/03/2014, DJe 18/03/2014

[19] REsp 1191612/PA, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/10/2013, DJe 28/10/2013

[20] REsp 1204488/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/02/2011, DJe 02/03/2011

[21] O Código Civil prevê que a proteção estender-se-á a todo o território nacional, se registrado na forma da lei especial (art. 1.166, § único), ao passo que o referido Decreto nº 1.800/1.996 dispõe que a proteção ao nome empresarial poderá ser estendida a outras unidades da federação, a requerimento da empresa interessada. Já a Instrução Normativa nº 15/2013, do Departamento de Registro Empresarial e Interação (que revogou a Instrução Normativa nº 116/2011 do antigo Departamento Nacional do Registro do Comércio) dispõe que “A proteção ao nome empresarial na jurisdição de outra Junta Comercial decorre, automaticamente, da abertura de filial nela registrada ou do arquivamento de pedido específico, instruído com certidão da Junta Comercial da unidade federativa onde se localiza a sede da empresa interessada”. Este “registro especial” é muito pouco utilizado em decorrência da pequena utilidade prática e, principalmente, do alto custo envolvido.

[22] Cujo nome é equiparado ao nome empresarial para fins de proteção, cf. art. 1.155 do Código Civil.

[23] Cf. art. 15, §1º da Lei Federal nº 8.906/94

[24] Impropriamente referida como razão social na Lei Federal nº 8.906/94

[25] Em sentido contrário, exigindo “registro complementar nas Juntas de Comerciais de todos os estados-membros”, EDcl nos EDcl no AgRg no REsp 653609/RJ, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 19/05/2005, DJ 27/06/2005, p. 408

[26] REsp 1357912/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/03/2014, DJe 10/04/2014

[27] Vide também o REsp 1190341/RJ no qual se aplicou o art. 124, V da Lei da Propriedade Industrial e art. 8º da Convenção de Paris, protegendo o nome de empresa contra a confusão e aproveitamento econômico que ensejaria o uso do mesmo sinal no mesmo ramo de atividade. (REsp 1190341/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/12/2013, DJe 28/02/2014).

[28] Órgão oficial destinado a publicar os atos, despachos e decisões do INPI, cf. Resolução nº 117/2005.

[29]   Art. 124. Não são registráveis como marca:

V – reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome de empresa de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação com estes sinais distintivos

[30] Art. 1.166. A inscrição do empresário, ou dos atos constitutivos das pessoas jurídicas, ou as respectivas averbações, no registro próprio, asseguram o uso exclusivo do nome nos limites do respectivo Estado

[31] Art. 33. A proteção ao nome empresarial decorre automaticamente do arquivamento dos atos constitutivos de firma individual e de sociedades, ou de suas alterações

[32] Neste ponto andou bem o Parecer ao afirmar que “não importa a área territorial a qual a empresa exerce a sua atividade econômica, quando se examina a colidência entre nome empresarial e marca” (…) “Por isso, em um exame de colidência entre nome comercial e marca, não parece razoável perquirir se o detentor de um nome empresarial exerce a sua atividade empresarial em todo o território nacional ou não. A verificação do âmbito geográfico de atuação do detentor do nome empresarial é irrelevante para o deslinde das controvérsias em apreço”. Aliás, este entendimento é diametralmente oposto ao decidido pelo STJ, no citado REsp 1204488/RS.

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