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Um dos episódios mais comentados nas redes sociais brasileiras nas últimas semanas foi o início da venda de pizzas pela rede de restaurantes Subway.

Assim, junto aos comentários de que a rede de lanchonetes norte-americana começou a atuar no mercado de pizzas, vieram os feedbacks dos consumidores que não satisfeitos com a aparência dos produtos entregues, comentaram sua decepção nas redes sociais, principalmente no Twitter.

Aproveitando-se do episódio, a Domino’s, tradicional rede de pizzarias, enviou um “Manual da Pizza” ao seu novo concorrente, dando dicas e orientando passo a passo de como preparar o tradicional prato de origem italiana.

O diretor de marketing da rede Domino´s, Edwin Junior deu a seguinte declaração: “Os erros sempre vão acontecer, mas como somos especialistas nesse negócio e entregamos mais de 1 milhão de pizzas por mês, feitas com massa fresca e abertas à mão, uma a uma, nos solidarizamos com a Subway e mandamos nosso manual de como fazer e montar perfeitamente uma pizza, para que não passem por isso de novo”.¹

 

Não seria a primeira vez de que empresas, por meio de campanhas publicitárias, “alfinetam” e enviam as chamadas indiretas aos seus concorrentes.

Também recentemente, em junho 2020, após ser veiculada uma campanha publicitária do banco Itaú Personnalité criticando genericamente o trabalho de assessores de investimento, ocorreu o início de um embate e “troca de farpas” com a XP investimentos por meio das redes sociais. 

Em resposta à mensagem do Itaú Personnalité , o CEO da XP Investimentos, Guilherme Benchimol, chegou a usar o conhecido slogan do Itaú para criticar o banco em um comunicado publicado em suas redes sociais, afirmando que a XP está: “Há 20 anos lutando contra um sistema financeiro concentrado que nunca inovou e nunca se preocupou com o que realmente importa: o cliente!” e que “tenho uma certeza: se tem algo que o banco não é, nem nunca foi, é ser feito para você”.

O Itaú, por sua vez, voltou a “cutucar” a XP, da qual, inclusive, detém 49% de participação, publicando um post em suas redes sociais pedindo para que fosse marcado um amigo “que em 2019 acreditou mais no coletinho do que em uma carteira diversificada”, fazendo alusão aos famosos “coletinhos” dos corretores da XP.

A XP Investimentos, em resposta ao Banco, publicou um post na internet incentivando os consumidores a transferirem seu dinheiro para a corretora, informando que de brinde ganhariam o simbólico colete, peça de roupa muito utilizada entre assessores de investimento.

Esses recentes acontecimentos no mundo publicitário digital trazem à tona a discussão acerca da chamada “Publicidade Comparativa”, cujo uso não é vedado, desde que sejam respeitados alguns princípios e limites, conforme prevê o artigo 32 do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária:

“Tendo em vista as modernas tendências mundiais – e atendidas as normas pertinentes do Código da Propriedade Industrial, a publicidade comparativa será aceita, contanto que respeite os seguintes princípios e limites:

  1. seu objetivo maior seja o esclarecimento, se não mesmo a defesa do consumidor;
  2. tenha por princípio básico a objetividade na comparação, posto que dados subjetivos, de fundo psicológico ou emocional, não constituem uma base válida de comparação perante o Consumidor;
  3. a comparação alegada ou realizada seja passível de comprovação;
  4. em se tratando de bens de consumo a comparação seja feita com modelos fabricados no mesmo ano, sendo condenável o confronto entre produtos de épocas diferentes, a menos que se trate de referência para demonstrar evolução, o que, nesse caso, deve ser caracterizado;
  5. não se estabeleça confusão entre produtos e marcas concorrentes;
  6. não se caracterize concorrência desleal, denegrimento à imagem do produto ou à marca de outra empresa;
  7. não se utilize injustificadamente a imagem corporativa ou o prestígio de terceiros;
  8. quando se fizer uma comparação entre produtos cujo preço não é de igual nível, tal circunstância deve ser claramente indicada pelo anúncio.”

 

Dentre as principais características sobre o uso da “Publicidade Comparativa” ressaltam-se: (a) o destaque dado aos aspectos positivos da empresa anunciante, do produto ou serviço; (b) a contraposição das características do produto/serviço anunciado com os de um outro anunciante e; o mais importante: (c) a intenção de despertar o interesse do público para o consumo do produto ou serviços anunciado. 

Isto significa que, a princípio, não há qualquer ilegalidade no uso da publicidade comparativa, desde que, a informação ali transmitida seja “verdadeira, objetiva, não enganosa e não abusiva”, inclusive considerando o que dispõe o Código de Defesa do Consumidor (artigos 6º, III e IV, 36, 37 e 38), e que não denigra o concorrente, suas marcas ou seus produtos e serviços.

Nesse sentido, a Lei de Propriedade Industrial (Lei n.º 9279/1996), que possui entre seus escopos a preservação da reputação e integridade das marcas, bem como, repressão à concorrência desleal, dispõe em seus artigos 130, inciso III e 195, incisos I, II e III que: 

Art. 130. Ao titular da marca ou ao depositante é ainda assegurado o direito de:

III – zelar pela sua integridade material ou reputação.

 

Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:

I – publica, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter vantagem;

II – presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa informação, com o fim de obter vantagem;

III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;

Portanto, apesar da autorregulamentação publicitária olhar com bons olhos para publicidade comparativa, as empresas devem se atentar ao conteúdo produzido à luz destas normas e, especialmente, se não está causando danos à reputação ou imagem do concorrente, pois a publicidade comparativa abusiva e que causa prejuízos ao concorrente pode ser caracterizada como violação de marca e prática de concorrência desleal.

Essa sutil diferença entre a legalidade da publicidade comparativa e práticas de concorrência desleal já foi tema discutido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em diversos precedentes, dentre os quais destacamos o julgamento do Recurso Especial n.º 1.377.911/SP: 

RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC NÃO VERIFICADA. DIREITO MARCÁRIO E DO CONSUMIDOR. PROPAGANDA PUBLICITÁRIA COMPARATIVA ENTRE PRODUTOS. ESCLARECIMENTO OBJETIVO DO CONSUMIDOR. POSSIBILIDADE. 

  1. A propaganda comparativa é forma de publicidade que identifica explícita ou implicitamente concorrente de produtos ou serviços afins, consagrando-se, em verdade, como um instrumento de decisão do público consumidor. 
  2. Embora não haja lei vedando ou autorizando expressamente a publicidade comparativa, o tema sofre influência das legislações consumerista e de propriedade industrial, tanto no âmbito marcário quanto concorrencial. 
  3. A publicidade comparativa não é vedada pelo Código de Defesa do Consumidor, desde que obedeça ao princípio da veracidade das informações, seja objetiva e não abusiva. 
  4. Para que viole o direito marcário do concorrente, as marcas devem ser passíveis de confusão ou a referência da marca deve estar cumulada com ato depreciativo da imagem de seu produto/serviço, acarretando a degenerescência e o consequente desvio de clientela. 

(…)

  1. Propaganda comparativa ilegal é aquela que induz em erro o consumidor, causando confusão entre as marcas, ocorrendo de maneira a depreciar a marca do concorrente, com o consequente desvio de sua clientela, prestando informações falsas e não objetivas.

(STJ. REsp n.º 1.377.911. Quarta Turma. Min. Rel. Luis Felipe Salomão. J. em 02.10.2014)

Portanto, percebe-se que, para efeitos da legalidade da publicidade comparativa, é necessário observar critérios objetivos que não gerem dúvidas ou induza o consumidor como também, não sejam pejorativos ao concorrente, suas marcas ou seus produtos e serviços, objeto da comparação.

No caso das redes de restaurantes Subway e Domino’s, o tipo de “carona” no incidente utilizado pela rede de pizzarias Domino´s para sua promoção e “ataque” ao novo concorrente, deve ser observado com muita cautela, inclusive considerando que posts em redes sociais não deixam de ser uma forma de publicidade com fins lucrativos. 

Já no caso entre as instituições financeiras, além do fato da XP Investimentos utilizar o slogan do concorrente para criticá-lo, o caso em específico poderia ser considerado mais delicado, em razão da Corretora tentar induzir o consumidor em aderir seus serviços, utilizando-se da oferta de um “brinde” para o Cliente que deixar de investir no concorrente.

Ainda, é importante destacar que os dois recentes episódios aqui tratados geram discussões envolvendo, também, a liberdade de expressão na criação publicitária, por meio do uso de sátira, recurso comumente utilizado e aceito na publicidade, desde que sejam respeitados os limites previstos no artigo 32 do Código de Autorregulamentação Publicitária do CONAR.

Por outro lado, esses casos podem eventualmente gerar situações que configuram a difamação da marca do concorrente e de sua reputação, nascendo, assim, para o titular da marca prejudicada o direito de combater a continuidade desses atos com fundamento no artigo 130, inciso III, da Lei da Propriedade Industrial, requerendo indenização pelos prejuízos ocasionados à imagem da empresa e da marca.


¹ https://www.meioemensagem.com.br/home/comunicacao/2020/07/16/dominos-manda-manual-de-pizza-para-subway.html

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